“É necessário que hajam provas”
Os verbos “haver” e “existir” podem ser sinônimos, mas, quando isso ocorre, não se flexionam do mesmo modo.
Como disse, outro dia, o Jornalista Clóvis Rossi, ninguém tem o
direito de surpreender-se “com o mais recente escândalo da caudalosa
safra brasileira”. Rossi se referia ao escândalo que pôs sob
investigação peixes graúdos do nosso Poder Judiciário. No mesmo dia,
ligo o rádio do carro e ouço o pronunciamento de uma importante figura
do Judiciário a respeito do assunto. “É necessário que hajam provas”,
disse ele. A julgar pela minha caixa postal (repleta de mensagens sobre o
caso), muita gente deve ter ouvido (e/ou visto) esse pronunciamento.
É incrível como o cargo impressiona. Alguns leitores disseram que não
teriam usado a forma “hajam”, mas, quando a ouviram de um juiz, ficaram
em dúvida. “Esses profissionais conhecem a língua, não, professor?”,
perguntou um deles. Devagar com o andor. Não se pode dizer que alguém
seja desconhecedor da língua só por não flexionar adequadamente
determinado verbo, ainda que esse verbo seja o fatídico “haver”, que,
como diria um certo jornalista, derruba reputações. Mas, cá entre nós,
supõe-se que, por ser mais do que frequente (em todos os tempos e modos)
em textos jurídicos, o verbo “haver” seja velho conhecido de juízes,
promotores etc. Pois bem, discussões filosóficas à parte, os leitores
querem saber se é necessário que “hajam” ou que “haja” provas. O que
temos aí é uma flexão do presente do subjuntivo do verbo “haver”,
empregado com o sentido de “existir”. Os verbos “haver” e “existir” são
sinônimos, mas não se flexionam do mesmo modo.
“Existir” sempre concorda com o sujeito (“Existem provas de que…”;
“Existiam provas…”). E “haver”? Na língua culta, em alguns casos (quando
é empregado com o sentido de “existir”, por exemplo), fixou-se como
impessoal (sem sujeito e flexionado na terceira do singular). Com o
verbo “haver” no presente do indicativo, nenhum problema. Não se ouve ou
lê algo como “Hão muitas pessoas ali” ou “Hão provas de que…”. Quem
nunca viu na porta de uma fábrica uma placa com os dizeres “Há vagas” ou
“Não há vagas”? Quando se sai desse tempo verbal, a coisa se complica,
haja vista o que ocorreu na frase do magistrado.
Pois bem, caro leitor: quem não sai da terceira do singular é o verbo
“haver”, mas não em qualquer caso. Quando significa “obter”,
“conseguir”, por exemplo, “haver” é um verbo como qualquer outro (“Donde
houveste, ó pélago revolto, esse rugido teu?”, escreveu em “O Mar” o
belo poeta maranhense Gonçalves Dias). Quando significa “proceder”,
“portar-se”, “comportar-se”, o verbo “haver” continua sendo “normal”
(“Eles se houveram mal na prova”).
Voltando ao ponto: quem não sai da terceira pessoa do singular não é o
verbo “existir”; é “haver”, quando usado com o sentido de “existir” (e
em outros casos – com o sentido de “ocorrer” ou “acontecer”, por
exemplo). Isso se dá em qualquer tempo ou modo em que se flexione o
verbo “haver”: “Há vagas”, “Havia provas de que…”, “Haverá situações em
que…”, “Se houvesse interessados em…”, “Se houver provas da participação
desses magistrados…”. Moral da história: de acordo com os cânones da
língua culta, Sua Excelência deveria ter dito “haja” (“É necessário que
haja provas”).
PASQUALE CIPRO NETO
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